Pontualidades

Há quem ache que se trata de uma questão de educação, quem descubra salpicos de tradição ou quem descortine recortes de feitio. Complacente com qualquer destes preceitos, ou outros mais, creio que ser ou não pontual não se compadece com grandes conceptualismos. Para mim é mais: respeitinho é muito bonito, quem não se sente não é filho de boa gente e pão pão, pejo pejo.
Primeiro, a pontualidade é reconhecidamente basta em virtudes e falha em escusas, verdadeiras ou falsas – para o dano tanto faz. Depois, não há ausências sem culpas, nem presenças sem desculpas.
Ora, muito a propósito – eu é que sei! –, os meus quatro colegas aqui do sítio (espécimes algo raros, avanço) reflectem au point outras tantas díspares formas de pontuar a agenda.
Comecemos pela Francisca. Uma menina que se esmera na arte de conciliar as horas. Admite que o seu Jaeger-LeCoultre está longe de ser fiável, concede que o Big Ben foi sempre uma empedrada pilha de avarias. Preencher bem o tempo é imperativo e o cronógrafo mero auxiliar de memória. Não obstante, conhece melhor do que ninguém o imenso charme de um pequeno atraso, de um certo atraso, do fiável atraso dos dez minutos...
Não fosse o pequeno pormenor de trocar, quase sempre, as oito da noite pelas mesmas da manhã ou a Quinta de uma semana pelo Monte de uma outra qualquer, eu diria, friso diria, estar perante a pontualidade no seu estado mais puro.
O Filipe é um caso raro de impontualidade. E um caso perdido, também. Por muito que custe, este ignóbil comportamento não só denota uma franca falta de respeito pelo próximo como configura uma desagradável atitude de quase desleixo perante a vida. É que esta coisa de aparecer meia hora antes, sempre meia hora antes, da hora combinada já chateia! Um destes dias cheguei dez minutos adiantado e disse-me que estava vinte atrasado... pode ser? Filipe, Sexta-feira é às 14:30, se faz favor...!
Já o Diego é um alquimista do tempo: marca tudo à mesma hora e, juro-vos, não falha com ninguém! É certo que da última vez que fui jantar com ele surgiram à mesa um engenheiro, duas juristas, um fiscal das finanças e o médico de família...
O caso da Prima é o mais grave, com maior carga dramática e, de longe, o mais científico. Um verdadeiro case study. Eu próprio, após árduo trabalho de campo, cheguei à seguinte fórmula:
A = En + (4En + 60)/2 <=>
A = 3En + 30
Em que A=Atraso em minutos; En=Forma de Entoação, onde 'n' assume quatro valores:
۰ 0 se entoar um 'AGORA' => E0=0
۰ 1 se entoar qualquer coisa convicta => E1=15
۰ 2 se entoar qualquer coisa banal => E2=30
۰ 3 se entoar qualquer coisa lacónica => E
Passo a explicar:
1- Se a Prima disser, por exemplo, um 'vou telefonar AGORA!', telefonará meia hora depois (A = 3x0 + 30);
2- Se disser convictamente '...estou aí às 16:00 em ponto!', o atraso será de uma hora e um quarto (A = 3x15 + 30);
3- Se proferir um normalíssimo '...às 16:00? Com certeza, lá estarei', chegará, com certeza, às 18:00 (A = 3x30 + 30);
4- Se algum incauto tiver o azar de apanhar um 'ok... então por volta das 16:00...', demorará, em bom rigor, três horas e meia (A = 3x60 + 30)!
Aqui a entoação não engana.
Agora digam-me, a que horas deverei combinar um jantar nesta Sexta de forma a que todos eles apareçam ± à mesma hora...? Heim? Hum? Pois...